Confira as informações e a letra da música O Barquinho, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli.
O Barquinho é um clássico da Bossa Nova por diversas razões. A primeira delas é que a dupla de compositores fez parte da Bossa Nova desde o começo. Antes mesmo de João Gilberto aparecer revolucionando tudo, Roberto Menescal, por exemplo, já era um jovem bossa-nova – que era uma gíria da época. E junto de Carlos Lyra, buscava um som novo com a galera toda que frequentava o apartamento da adolescente Nara Leão, em Copacabana.
Os pais de Nara liberavam os encontros que aconteciam quase que diariamente. A casa se enchia de jovens muito musicais, que ficavam trocando referências, admirando cantores como Dick Farney e Lúcio Alves, mas também curtindo coisas de Jhonny Alf, Dolores Duran e Tom Jobim que já estavam mostrando umas coisas novas.
Mas eles gostavam muito do que vinha de fora, de jazz. E nos encontros eles ouviam muitos discos, tocavam juntos, mostravam suas próprias composições, enfim. E foi Menescal que apresentou o Bôscoli a essa turma toda. Então, como se vê, os compositores de “O Barquinho” são genuinamente bossa nova.
E a música traz na harmonia os acordes da Bossa Nova, estilo que Menescal – que já era professor de violão – aprendeu diretamente com João Gilberto. Por fim, o tema de O Barquinho é praticamente um manifesto bossanovista: verão, sol, mar, a vontade de cantar sem se preocupar com nada, tudo o que os jovens da Zona Sul do Rio queriam.
Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal se conheceram em 1956. Bôscoli, mais velho, era jornalista, trabalhava para o jornal Última Hora. Menescal, por sua vez, era professor de violão. De cara ficaram amigos e tinha tudo pra virarem parceiros, pois nutriam o mesmo gosto musical. Bôscoli entraria como letrista e Menescal como músico.
Entretanto, os dois só fizeram a primeira música juntos em 1959, “Jura de Pombo”, que foi gravada pela maravilhosa Alaíde Costa. Depois disso eles fariam mais de 40 músicas em parceria. Incluindo “O Barquinho”, que pode ser considerada a obra-prima da dupla.
Menescal, além de músico, era pescador. Saia de barco e ia pro meio do mar, pescar em Cabo Frio. E eis que certa vez ele convenceu Ronaldo a ir pescar com ele e o pessoal. Bôscoli, claro, passou a ir mais pela farra, pra beber escondido no barco – porque Menescal proibia beber, pescar é coisa séria.
Mas eis que num dia ensolarado, em meio ao oceano, enquanto os peixes não se decidiam, eles se sentiram particularmente inspirados pelo mar, pelo sol, e por toda a mudança que estava acontecendo na música brasileira.
Pois com a Bossa Nova, nossa música tinha deixado de ser pautada por boleros, por sambas-canções de um romantismo dramático, e pelo ambiente da noite em boates. Passou a ser uma música alegre, jovem, também romântica, mas iluminada, positiva. E o cenário ideal bossa nova é uma praia carioca durante o dia.
Então eles fizeram juntos “O Barquinho”, em 1961. E na cabecinha deles a música era feita pra Nara Leão cantar. Ela, que ainda não tinha começado sua carreira como cantora profissional, mas era a eterna Musa da Bossa Nova e namorava, na época, com Ronaldo Bôscoli. Aliás, eles já eram noivos quando “O Barquinho” ficou pronta.
Ronaldo Bôscoli, além de compositor e jornalista, era um excelente produtor. Ele foi um dos responsáveis pela Bossa Nova ter atingido a dimensão que atingiu, ao lado de Miéle. Afinal, não é porque algo é novo, revolucionário, vanguardista, que vai ser reconhecido e popularizado. Teve um bom trabalho, digamos, de marketing, pra Bossa Nova pegar. E não somente como gênero, mas como movimento. Como fenômeno musical de uma época.
Bôscoli que fazia bem esse trabalho de produção, como agitador, chamou Menescal para tentarem convencer Maysa a gravar umas música estilo Bossa Nova.
Maysa era uma cantora que surgira em 1957 e era muito marcada pela música da época, da sofrência, do drama, do “Meu mundo caiu” etc. Ela fazia muito sucesso na época, mas no disco de 1960, “Voltei”, ela já tentava se modernizar gravando músicas da Bossa Nova. Daí, Bôscoli foi conversar com ela, apresentar umas coisas novas que eles estavam fazendo. E ela simplesmente se apaixonou pelo noivo da Nara Leão.
Bôscoli, então, produziu o disco seguinte dela. E ela gravou 6 músicas dele, sendo 4 em parceria com Menescal. Incluindo “O Barquinho”, que ela simplesmente amou, e que ficou sendo o nome do disco que se tornou um dos marcos da Bossa Nova.
Depois, eles foram juntos para uma turnê da cantora pela América do Sul. Bôscoli, Menescal, Tamba Trio e todo o staff foram a Argentina, Chile e Uruguai com Maysa. Nessa andança, rolou uma sedução, e Bôscoli e Maysa começaram a ficar na viagem.
Ela estava enlouquecidamente apaixonada quando voltou ao Brasil. Pra causar, reuniu a imprensa dizendo que tinha uma grande novidade e anunciou que ia se casar com Ronaldo Bôscoli.
Nara Leão, 19 anos, ficou sabendo de tudo pelo telefone, através da imprensa, e com requintes de crueldade. Pois Ruy Castro, no livro “Chega de Saudade”, conta que perguntaram o que ela achava do casamento entre seu noivo e Maysa. Pra acabar a sessão fofoca, Nara não perdoou Bôscoli e disse que não haveria casamento. Ronaldo, por sua vez, ficou mesmo um tempo casado com Maysa.
Já em 1961, “O Barquinho” havia sido gravada pela cantora Maysa, mas também por Pery Ribeiro, Paulinho Nogueira e, claro, João Gilberto.
João Gilberto, na gravação do disco que contaria com a música, se desentendeu com o arranjador Walter Wanderley. Pois entre outras coisas, este não conseguia reproduzir, no órgão, o som do ronco de um navio que João Gilberto queria e que mostrava pra ele com a voz.
Mas não saiu. E depois de uma série de desentendimentos, volta Tom Jobim a trabalhar com João Gilberto em estúdio. Eles que tinham feito o disco Chega de Saudade em 1958. Felizmente, Tom conseguiu obter o efeito que João queria no trombone, e sua versão ficou do jeitinho que ele desejava no disco João Gilberto, de 1961.
Depois, outras gravações muito representativas foram as do Tamba Trio, a primeira em 1962. Lúcio Alves e Agostinho dos Santos, em 1963. João Donato gravou em 1965. Elis Regina gravou em 1969, quando ela estava casada com o Bôscoli.
E Nara Leão, depois de muitos anos, já com o coração depurado de qualquer mágoa, gravaria a música que foi feita pra ela em 1986.
Leila Pinheiro também gravoua, inclusive com o próprio Menescal. Aliás, cabe dizer que Roberto Menescal gravou e regravou sua música inúmeras vezes!
Uma história bem inusitada de “O Barquinho” é que contam que, quando Menescal ia pescar, ele usava o barco Thiago III, e o barqueiro responsável se chamava Ceci.
Ceci, um homem simples, não acreditava que aqueles jovens eram músicos, famosos, e que suas músicas tocavam no rádio. Mas, em certo final de semana, eles levaram um rádio de pilha e, quando tocou a canção deles, o locutor disse: “O Barquinho, com Maysa, de Menescal e Bôscoli”.
Aí eles disseram a Ceci: “E aí, agora você acredita?” E o barqueiro respondeu: “Não! E daí… Não tem só um Menescal e Bôscoli no mundo”. Ficaram com cara de tacho!
No entanto, o fato é que Menescal e Bôscoli não precisavam provar mais nada a ninguém. O Barquinho já nasceu um verdadeiro clássico da música popular brasileira.
Ano de Lançamento:
1961.
Gênero:
Samba (Bossa Nova).
Compositores:
Roberto Menescal (1937-) e Ronaldo Bôscoli (1928-1994).
Gravações Representativas:
Maysa; João Gilberto; Tamba Trio; Lúcio Alves; Agostinho dos Santos; João Donato; Elis Regina; Nara Leão; Roberto Menescal; Leila Pinheiro.
Dia de luz, festa de sol
E o barquinho a deslizar
No macio azul do mar.
Tudo é verão, o amor se faz
No barquinho pelo mar
Que desliza sem parar.
Sem intenção, nossa canção
Vai saindo desse mar
E o sol
Beija o barco e luz
Dias tão azuis.
Volta do mar, desmaia o sol
E o barquinho a deslizar
E a vontade de cantar.
Céu tão azul, ilhas do sul
E o barquinho, coração
Deslizando na canção.
Tudo isso é paz
Tudo isso traz
Uma calma de verão
E então
O barquinho vai
E a tardinha cai.
Versão de Maysa
Versão de João Gilberto
Versão de Nara Leão
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