Construção – Chico Buarque
Construção é a música que dá título ao quinto álbum de Chico Buarque, lançado em 1971 pela Philips, logo após o cantor retornar de seu autoexílio na Itália. Uma das canções mais aclamadas da história, ela é indicada, por muitos especialistas ,como a melhor música brasileira de todos os tempos.
Basicamente conta a triste história do último dia de vida de um trabalhador da construção civil. Depois de fazer amor com sua mulher, ele se despede dela e dos filhos, e sai pra trabalhar. Já amargurado, cumpre suas obrigações na obra mas, depois do almoço, ele se embriaga, dança, gargalha e se desequilibra, caindo de uma grande altura. Ao arrebentar-se no chão, ainda agoniza antes de morrer. Sua desgraça, porém, ante a indiferença de todos, só faz atrapalhar o trânsito.
Características principais
O potencial de Construção deve-se muito à genialidade poética do compositor. Tanto em termos narrativos, ou seja, da maneira como é apresentada a tragédia desse pedreiro, mas também pela opção de usar proparoxítonas no final de cada verso, e dessa forma, poder transformar a letra a cada nova versão.
A letra da canção torna-se um jogo de montar, onde cada um pode alterar as palavras que deseja, respeitando somente a regra de escolher uma proparoxítona para pontuar a sílaba certa. De modo que, as intervenções podem sugerir novas interpretações e imagens, entretanto, não altera o infortúnio do operário.
Mas também não deixam de ganhar destaque a melodia da canção, simples, repetitiva e angustiante. Além, é claro, da colaboração do maestro Rogério Duprat, um dos integrantes da Tropicália. Responsável pelos arranjos, Duprat criou uma harmonia bastante complexa, dando à música o tratamento épico que ela merecia. Sendo assim, Construção pode ser considerada um samba pós-tropicalista?
Para completar, a música Deus lhe Pague, foi adicionada ao final de Construção, complementando seu aspecto dramático: (…)“Por me deixar respirar, por me deixar existir. Deus lhe pague”. (..)
Como Construção foi recebida
Em tempos de violenta repressão da ditadura e quando a censura fazia marcação pesada aos artistas, Construção, todavia, foi liberada sem restrições. Conta-se a história que isso se deveu a um produtor da gravadora que, ao remeter a música para avaliação da Polícia Federal, usou de ironia, exigindo, por escrito, que censurassem a letra. Então, para contrariar tal insolência, a música foi liberada sem cortes.
O disco Construção foi um grande sucesso de crítica e de público. Campeão de vendas na época de seu lançamento, todas as suas músicas, consequentemente, têm bastante qualidade e muitas ficaram semanas no topo das paradas de sucesso. Mas, especificamente, no caso da música Construção, houve um forte investimento de divulgação em forma de jabá para que ela pudesse tocar nas rádios, pois tem mais de seis minutos de duração.
Até mesmo o jornalista e compositor David Nasser, que era pró-ditadura, elogiou a música, mas deu uma alfinetada, sugerindo mais uma proparoxítona a Chico: “Médici”, sobrenome do presidente do Brasil de 1969 a 1974.
Fartamente analisada
Construção já foi inúmeras vezes analisada e destrinchada, e não é esta a nossa intenção. Mas quase sempre dão enfoque ao seu tema principal: o trabalho. A precarização das relações trabalhistas, a alienação do trabalhador em relação ao que ele produz e à classe que pertence. Além de todas as aflições e angústias geradas numa sociedade capitalista. Marcada pela obsessão pelo consumo, pela produtividade, pela competição, pelo individualismo etc. O que faz com que muitos se entreguem ao vício para suportar a solidão e outras dores existenciais.
Por tudo isso, Construção não apenas colaborou para tornar Chico Buarque mais rico e mais famoso, mas sobretudo, para consolidá-lo como um dos mais prestigiados artistas brasileiros de ontem, hoje e sempre.
Para ouvir
Colocamos aqui duas versões de Construção. Primeiramente, a versão original do disco, que por conta dos seus arranjos é praticamente uma versão definitiva.
Mas também destacamos uma versão, digamos, experimental de Elis Regina, com arranjos de César Camargo Mariano. Além de uma entonação muito específica da cantora, há ainda efeitos sonoros que intentam nos colocar dentro de uma construção.
Letra de Construção – Chico Buarque
Amou daquela vez como se fosse a última.
Beijou sua mulher como se fosse a última.
E cada filho seu como se fosse o único.
E atravessou a rua com seu passo tímido.
Subiu a construção como se fosse máquina.
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas.
Tijolo com tijolo num desenho mágico.
Seus olhos embotados de cimento e lágrima.
Sentou pra descansar como se fosse sábado.
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe.
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago.
Dançou e gargalhou como se ouvisse música.
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado.
E flutuou no ar como se fosse um pássaro.
E se acabou no chão feito um pacote flácido.
Agonizou no meio do passeio público.
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego.
Amou daquela vez como se fosse o último.
Beijou sua mulher como se fosse a única.
E cada filho seu como se fosse o pródigo.
E atravessou a rua com seu passo bêbado.
Subiu a construção como se fosse sólido.
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas.
Tijolo com tijolo num desenho lógico.
Seus olhos embotados de cimento e tráfego.
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe.
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo.
Bebeu e soluçou como se fosse máquina.
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo.
E tropeçou no céu como se ouvisse música.
E flutuou no ar como se fosse sábado.
E se acabou no chão feito um pacote tímido.
Agonizou no meio do passeio náufrago.
Morreu na contramão atrapalhando o público.
Amou daquela vez como se fosse máquina.
Beijou sua mulher como se fosse lógico.
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas.
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro.
E flutuou no ar como se fosse um príncipe.
E se acabou no chão feito um pacote bêbado.
Morreu na contramão atrapalhando o sábado.
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